quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Sobre EXODUS


EXODUS: imagens que não se despedem de nós
Clóvis Domingos

Sobre o trabalho do Grupo de Pesquisa ANTICORPOS (DEART/UFOP).

Como definir o belíssimo espetáculo apresentado por Daniela Maia, Éden Peretta, Georgiana Dantas, Mariana Arantes, Mayra Pimenta e Panmella Ribeiro? Um espetáculo de teatro-dança. Um espetáculo de teatro-imagem. Uma junção de artes cênicas (presença de corpos vivos), artes plásticas (o movimento dos corpos, figurinos, objetos e luz), artes visuais (a força poética das imagens) e artes sonoras (musicalidades que nos colocam em transe).

Um trabalho sobre os deslocamentos humanos. Vida, morte, chão, terra e caminho. Estados de alma. Orientalismos. Ancestralidades. A vida acontece no meio (na trajetória) quando nos deslocamos de uma margem à outra carregando nossas pequenas bagagens ( A cena de passagem de Éden). Como Sísifos, estamos sempre a procura de um lugar? Fazer de um espaço um lugar. Ou condenados ao exílio?

Partimos sozinhos ou levamos os outros agarrados em nossos corpos? Nossos mortos respiram por nossos poros? Somos reféns da memória e da história? Caminhamos sob o passado sempre presente?

A cena da trança de cabelos amarrados feito um “cordão umbilical”: como cortar, como separar, como nascer e como individualizar?

Foto de Gabriel Machado

O contemporâneo do tema numa atemporalidade, nos jogando no campo mítico. Nascimento e morte. A proximidade temática (materializada pelo “extraordinário artístico”) com a dinâmica quase cotidiana da cidade de Ouro Preto: “lugar de chegadas e partidas”.

A força das imagens através de quadros que se compõem em nossa frente (movimento e pausa) e estabelecem um tempo para se PERCEBER, receber a imagem, deixar-se afetar. A plateia respira junto (tempo partilhado), feito uma meditação, mas num ritmo potente que gera adesão ao que nos invade. Uma recepção tátil.

Cenas como paisagens nômades, flutuantes, arquetípicas e ritualísticas. A luz de Everton Lampe a simbolizar nossas claridades e escuros, dia e noite, medo e coragem, dor e alegria. Uma luz que também dança! Uma luz também peregrina.

Nos (anti)corpos dos bailarinos: desrostidade e despersonalização: eles são nós. E nossos sentidos dançam. Uma estética com linhas artaudianas. A referência ao butô. Um trabalho impactante apresentado com rigor técnico e aliando pesquisa e poesia.

Entre contemplação e experiência, senti os corpos dos viajantes, dos loucos, corpos-intensidade e errâncias infinitas. Na unidade de uma encenação plural todos os signos “falam”, sugerem e hipnotizam. Da roupa comum (início) à retirada dela chegando nas vestes ancestrais (os significativos figurinos de Bárbara Buzatti) e depois à nudez do final: SOMOS PÓ. (imagem do incenso).

ARRANCA MINHA PELE QUE EU QUERO NASCER DE NOVO!!!!

O teatro cósmico, as forças imateriais, a recepção calorosa da plateia que se sentiu transportada ao seu primitivo viver!!!!!

É o performer um imigrante? Como espectadores a encenação nos coloca migrando por diferentes correlações e sensações. Imagens que não nos abandonam.

Só nos resta o silêncio.
Fim de texto.
Fim de part/IDA.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

NINFEIAS* nasce


 começou a florescer o NINFEIAS - Núcleo de INvestigações FEminIstAS, viva!

concebido a partir de uma ideia que venho matutando já tem um tempo, em função das experiências e trocas feministas que tive nos últimos anos, em ouro preto, o NINFEIAS pretende ser um núcleo que fomente a pesquisa de teorias e temas feministas, tanto no seu aspecto teórico, quanto no que diz respeito à experimentação de práticas performativas, alimentadas por essas questões. ou seja, ele tem duplo viés: temático e estético; delimitando assim sua relação com o campo das artes cênicas. o interesse é que funcione tanto como um espaço de pesquisa e criação para as estudantes, como de troca e participação - além da pesquisa e criação - para as mulheres da comunidade
já tendo iniciado algumas conversas com thaiz cantasini - egressa do curso de licenciatura em artes cênicas - e gerliani mendes - jornalista, com experiências teatrais, também formada na ufop - sobre o interesse de, em ouro preto, desenvolver esses experimentos e ações e aprofundar o estudo teórico, resolvemos concretizar a ideia e, por meio de uma chamamento entre as mulheres que já tinham participado de eventos feministas conosco (bia mendes, daniela maia, heloísa mandarelli, olga penna), foi feita a primeira reunião, da qual, infelizmente, não pude participar, por motivos de saúde.
e nessa segunda, dia 04, fizemos a segunda reunião, na qual pude apresentar a ideia do núcleo para as interessadas. e foi um encontro muito produtivo e instigante, pois tivemos a chegada de mais cinco mulheres que fazem parte também de um grupo de estudos do IFMG, de feminismo, arte e tecnologia (convidadas por olga, que também faz parte do grupo). como grupos irmãos, resolvemos mesclar e alimentar mutuamente nossas discussões e práticas.
nesse dia, após discutir os objetivos do núcleo, propus que começássemos a preparar uma ação para o dia 25 de novembro, dia internacional de combate à violência contra a mulher, e começamos a levantar, dentro deste tema, os aspectos que interessavam, particularmente, a cada uma de nós: exploração sexual, violência simbólica, cultura do estupro, foram algumas das questões que apareceram. para a próxima reunião, ficamos de levantar materiais, imagens e proposições de ações individuais e coletivas.



*embora seja também uma sigla, o nome do núcleo foi concebido poeticamente a partir do nome das plantas aquáticas perenes (e que aqui trago em fotos), algumas delas conhecidas como flor de lótus, e em lembrança de um trecho do texto terra oceana, de d. danis.

domingo, 6 de outubro de 2013

ensaio de Clóvis Domingos publicado na 6ª edição da Performatus

A sexta edição da Revista Performatus (http://performatus.net/edicoes/6/) já se encontra on-line!!! 

Nesta edição há a publicação de um ensaio meu: "É o performer um imigrante?"

Essa revista é muito interessante e repleta de ensaios, imagens, estudos, traduções, resenhas e entrevistas abordando o universo da arte da performance.

Confiram e divulguem, por favor!

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

COISA DO SI




“Coisa do si” é uma proposta de encontro entre criadores, a partir da investigação do teatro desessência – ópera da palavra e dança de expressão. Uma feitura em processo produzindo conexões vivas com a performance-teatro-cinema-literatura-filosofia.

O acontecimento reúne os artistas Admar Fernandes, Clarissa Alcantara, Inês, Joyce Malta, Leandro Silva Acácio, Lissandra Guimarães, Sabrina Andrade, Saulo Salomão e Tereza Marinho. O processo teve início em julho de 2013 e agora abre as portas para 4 encontros com o público na Gruta (Horto), espaço que serviu de estadia para esta vivência.

Nove quadros se cruzam a partir da vivência de dois atos-processos – o corpobiográfico e o duplo si: um corpo é lançado no espaço e seu único objeto é ele mesmo, uma presença-ausência que se dispõe à vivência do ato de estar ali sendo multiplicitado. Cria-se um platô: "Um platô não é nada além disso: um encontro entre devires, um entrecruzamento de linhas, de fluxos, ou uma percolação — fluxos que, ao se encontrarem, modificam seu movimento e sua estrutura." Um encontro com o pensamento de Gilles Deleuze e Félix Guattari.

Sinopse
Escorreu uma coisa que não importa mais, a significância. Como, no meio desse mar revolto, aberto, oceânico, pode existir uma terra firme? Zona indiscernível. Os quadros começam a se misturar uns aos outros. Os corpos brincam e dançam e dançando ocupam todo o lugar. Multiplicação de estados. Um modo de existência que pede uma outra maneira de viver. Útero, gruta. Como parto de mim?

Ficha técnica
Criadores: Admar Fernandes, Clarissa Alcantara, Inês, Joyce Malta, Leandro Silva Acacio, Lissandra Guimarães, Sabrina Andrade, Saulo Salomão e
Vídeo e fotografia em ato/processo: Tereza Marinho
Colaboração: Mariana Teixeira

Coisa do si

Data: 4, 11, 18 e 25 de outubro, sextas-feiras
Horário: 21h
Local: Gruta! Espaço de Arte – rua Pitangui, 3.613c, Horto
Ingressos: Gratuito
Lotação: 15 pessoas

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Mestrado em Artes Cênicas da UFOP

Aprovado pela Capes o projeto que institui o Programa de Mestrado em Artes Cênicas da UFOP!
http://www.capes.gov.br/avaliacao/cursos-novos-envio-de-propostas-e-resultado

Seminário Arte e Diferença


As inscrições para o Seminário Arte e Diferença já estão abertas.
O seminário acontecerá nos dias 24, 25 e 26 de outubro no Teatro Universitário da UFMG.
O Seminário Arte e Diferença pretende estabelecer um diálogo interdisciplinar entre as Artes e as áreas da Saúde Físico-Motora e Mental para pensar o local da diferença nos processos artísticos.
Existirão 3 Simpósios Temáticos que receberão inscrições para comunicação.
1- Arte e Saúde Mental;
2- Arte e Processos Criativos;
3- Arte e Inclusão
Programação
Coordenação
Profa. Dra. Denise Araujo Pedron (UFMG)
Profa. Ms. Eliane Maria de Abreu (UEMG)
Prof. Ms. Clóvis Domingos dos Santos
  • Dia 1 – 24/10
Manhã
08:00 – 08:30 Credenciamento – sala Otávio Cardoso – Teatro Universitário
08:30 – 09:00 Abertura
09:00 – 10:30 – Conferência de Abertura: Criação Artística, Pulsão e Sublimação – Prof. Guilherme Massara (UFMG)
11:00 – 12:30 – Mesa redonda: Arte e experiência criativa
Teatro desessência: o que nasce do esquecimento. Profa Dra. Clarissa Alcantara (N3Ps – Núcleo de Pesquisa)
Desassossego em Branco – Tuca Pinheiro, Oscar Capucho e Renata Mara.
Terceira Dança – Profa. Ms. Marcelle Louzada
Mediadora: Prof. Dra. Denise PedronTarde
Sessões de Comunicação
14:00 – 15:00 – Primeira Sessão de Comunicação
15:30 – 16:00 – Café
16:00 – 17:00 – Segunda Sessão de Comunicação
17:00 – 18:30 – Atividade Artística – Núcleo de Pesquisa N3Ps – Nômades Permanentes Pesquisam e Performam
• Exibição de vídeo e conversa com integrantes do núcleo
• Lançamento de livro: Corpoalíngua: performance e esquizoanálise
  • Dia 2 – 25/10
Manhã
Sessões de Comunicação
09:00 – 10:00 – Primeira Sessão de Comunicação
10:00 – 10:30 – Café
10:30 – 11:30 – Segunda Sessão de Comunicação
11:30 – 12:30 – Atividade Artística – Hoje são mistérios gozosos meus surtos psicóticos – vídeo-performance e bate papo com de Viviane Ferreira – Núcleo de Pesquisa Sapos e AfogadosTarde
14:00 – 16:00 – Mesa redonda: De perto ninguém é normal.
Música e saúde mental – Prof. Paulo Thomaz (CERSAM)
Teatro e saúde mental – Prof. Juliana Barreto (Núcleo de Pesquisa Sapos e Afogados)
Arte e Deficiência – Prof. Luciane Kattaoui Madureira (Crepúsculo Escola de Arte)
Mediadora: Profa. Ms. Eliane AbreuTarde
17:30 – 18:30 – Atividade Artística – Música (coordenação: Paulo Thomaz)
19:30 – Atividade Artística – Show – Edu Kneip apresenta “Ed Galantti e o tesouro do Morro do Castelo”
  • Dia 3 – 26/10
Manhã
10:00 – 12:00 Conferência de Encerramento: O próprio, o pensar poético e a criação artística – Prof. Dr. Antonio Jardim (UFRJ)
12:00 às 13:00 Atividade Artística- Espetáculo Teatral – Núcleo Sapos e AfogadosCarga Horária Total do Seminário: 22 horas
Maiores informações aqui

terça-feira, 9 de abril de 2013

AQUI PERFORMAMOS COM OS MORTOS


Aqui Performamos com os Mortos

Em Ouro Preto, redolente, vaga um remoto estar - presente”.
Carlos Drummond de Andrade

Tudo é intervenção!

O Obscena propôs uma série de intervenções cênico-performáticas como parte da programação do Simpósio Internacional Corpolítico, ocorrido em Ouro Preto entre 11 e 15 de Março de 2013.
Simultaneamente aconteceram cinco ações poético-urbanas: “Salve Padilha, cheia de Graça” (que começou na Ponte Marília de Dirceu e terminou na Igreja do Rosário); “Espaço Disponível: Anuncie Aqui” (que ocupou a Feira de Artesanato perto da Igreja de São Francisco de Assis e vários lugares do centro da cidade); “Infravermelho” (também realizada na Ponte Marília de Dirceu) e “O Espaço do Silêncio” (que juntamente com “O Suicidado”), que se instalou na Praça Tiradentes.

O pesquisador e performer Matheus Silva afirmou que criamos um “mar vermelho” que invadiu a cidade barroca. Sim, nossas presenças afetaram o cotidiano de Ouro Preto. Mas também acredito que a cidade performou. Cidade misteriosa, de pura teatralidade, misto de religião e espetáculo, paisagem habitada por moradores, turistas, estudantes, heróis e espíritos, espaço vertiginoso no qual o passado e a História respiram juntos.

Nas palavras de Alexander Freitas (2009:146): “o espaço arquitetônico de Ouro Preto, metaforicamente, como a maré cheia, preside uma invasão – uma imposição – da imagética setenticista ao presente”. Uma forte intervenção urbana.

E penso que nossas ações, no presente, de alguma forma, atualizaram o passado. Foram invadidas por fatos históricos e pelo imaginário coletivo existente em Ouro Preto. Os espaços interviram sobre nossos trabalhos artísticos numa tessitura de tramas da memória. As igrejas e o som dos sinos, o silêncio dos cemitérios, as ladeiras e seus candelabros, a arte sacra, tudo é intervenção.

Fiquei pensando: o que seria performar num espaço teatralizado que grita suas cores e formas? Que espetaculariza sua História? Lugar que cotidianamente acontece uma performance dos moradores e personagens de rua? Acredito que seja possível dialogar com esses espaços e suas simbologias. E mais: praticá-los de forma liminar e fronteiriça. Duplicar seus usos e sentidos. Nossas ações e manifestações cênicas “transbordam as taxonomias e configuram-se como corpos mestiços a partir dos entrecruzamentos e hibridações entre os dispositivos das artes cênicas e visuais” (DIÉGUEZ, 2011:51), elementos preponderantes na cultura barroca. Corpos políticos por entrecruzarem tempos e espaços. Abordarei tal aspecto no tópico a seguir.

Espaços Entrecruzados: ATUALIZE AQUI

A cruz é a síntese de dois espaços de poder da arquitetura barroca: a igreja e os cemitérios (FREITAS, 2009). A cruz também é o encontro de duas linhas temporais: de um momento que segue seu fluxo no instante se deparando com um momento já vivido. Morte e vida. Acontecimento e acontecido. Nesse “entre-lugar”, nós obscênicos, acontecemos.

A Padilha de Erica Vilhena se metamorfoseou numa espécie de santa, caminhando descalça como um ato de fé e sacrifício, e depositando oferendas (terços, conchas e pétalas de rosa) nas portas das igrejas que emprestam seus nomes em homenagem às mártires católicas. Um corpo em PROCISSÃO. A cada estação, cada parada, uma ação ritual. Uma Pomba-Gira recatada e bem comportada desfilou pelas ruas de Ouro Preto e a sensação verbalizada pela performer, era de estar sendo vigiada o tempo todo. A iconografia barroca nos revelava que a cidade tem olhos. Muito diferente de uma caminhada perigosa, feita por uma Padilha atrevida, numa outra experimentação ocorrida no baixo centro de Belo Horizonte, nas ladeiras ouro-pretanas sentimos “pulular os olhos-da-cidade, que aqui, são explicitamente metáforas dos olhos-de-Deus” (FREITAS, 2009: 200).


Fotos de Luciane Trevisan


Santa Efigênia, Nossa Senhora do Rosário, Nossa Senhora do Pilar ou Marília de Dirceu, entre outras figuras femininas, se atualizaram no corpo peregrino da performer. Inclusive, Erica distribuiu suspiros na conhecida “Ponte dos Suspiros”, no bairro Antônio Dias, local no qual se conta que Marília de Dirceu se encontrava com seu amado Tomás Antônio Gonzaga. Nessa gestualidade performática cruza-se uma composição corporal, espacial e temporal. Reencontro de arquiteturas. Presentificação de um tempo que ainda dura.

Da mesma forma que a questão do suicídio e extermínio dos nossos índios guaranis kaiowás (tratada nos trabalhos “Espaço do Silêncio” e “O Suicidado”) voltou a ser denunciada na Praça central, local no qual Tiradentes foi assassinado. Nina Caetano e suas pequenas cruzes, quase uma santa colocada num altar branco que aos poucos se mancha de vermelho. Leandro Acácio, num esforço de resistência física e psicológica, a sustentar um pedaço de tronco seco corporificando a imagem de um crucificado. O silêncio que se converte em discurso. Leandro e seu “corpo-estátua”. Ambos os trabalhos nos olham, criando quase um constrangimento.

Além da possibilidade de se erguer publicamente um monumento, ainda que temporário (em memória da injustiça cometida contra os expatriados indígenas) sob outro “palco” permanente, a praça. Na ocupação espacial desses dois trabalhos, temos uma teatralidade e performatividade em estado de permanente fricção, atravessadas por narrativas históricas (logo ficcionais) e irrupções do real.

As imagens de uma amordaçada e um enforcado, seus corpos quase imóveis e se torna impossível não se lembrar da morte do famoso inconfidente Tiradentes. Corpos rendidos. Re-ligação de personagens rebelados em tempos diferenciados. Os turistas- espectadores que fotografavam aquele acontecimento cênico registravam o espaço e seu duplo, a sobreposição de tempos, fatos, atos e ventos.

Em “Infravermelho”, mais uma mulher, agora cega, carregando maçãs do amor e tateando o corpo de velhas pedras e muros da cidade. Marcelle Louzada, impossibilitada de ver o que se passava e ao mesmo tempo se oferecendo como um corpo em plena visualidade poética. Um quadro vivo de pintura impressionista. Ela se arrastava, tropeçava, buscava pontos de apoio e também parecia ser uma santa fugitiva de algum altar. Em outros momentos era como ter a visão de um “corpo fantasma” como uma daquelas almas perdidas que rondam o fabulário ouro-pretano. Os olhos tampados, como que furados e vazados, me remetiam à ideia de um corpo torturado.

Em “Espaço Disponível: Anuncie Aqui” (com Matheus Silva, Joyce Malta, Lissandra Guimarães, Flávia Fantini e Sabrina Andrade), a provocação ao comércio local, às feiras, à herança dos exploradores. Nem tudo reluz e nem tudo é ouro. Ainda haveria espaços possíveis em Ouro Preto para se divulgar a venda de alguma coisa? O turismo alimenta a economia e tudo é propaganda, disputa, indicação de hotel e restaurante; se paga para se visitar as igrejas e museus. Até quando seduzidos e viciados pela História?

Além da escolha nessa ação, do corpo como suporte para pequenos textos compondo um cartaz. Também uma possível alusão às placas das repúblicas estudantis anexadas aos corpos dos universitários. Outra aproximação. Anuncie aqui: seu poder, o peso da tradição, o machismo secular, sua perversidade. Anuncie aqui: “Bixo”, lixo, nicho de corpos domesticados. Anuncie aqui a humilhação e a violência, feito as placas com os valores de compra dos negros africanos contrabandeados para servirem de escravos para seus senhores europeus.

No conjunto desta “aparição-presentação” artística tudo dialoga com esse “mar vermelho”: sangue, dor, fé, luxo, ostentação, sobrenatural, espaço e poder.

Uma vez alguém proclamou: “Aqui em Ouro Preto andamos sobre os mortos”. Naquela tarde de quinta-feira, 14 de Março, poderíamos dizer: Aqui performamos com eles. Uma experiência fora do tempo. Eles reviveram através de nossos trabalhos. Pois estão vivos nos espaços que escolhemos ocupar.

Espaços em Branco

Caí numa armadilha? Estarei de alguma forma historicizando uma vivência coletiva numa visão pessoal do que fizemos? Tudo o que aqui está escrito já é passado. Foi-se. É uma cruz. Tudo se afoga com aquele “mar vermelho”: referências, identidades, calendários e contextos.

Que venha o desconhecido e o imprevisível!

Agora desejo olhar para nossas pesquisas como corpos com tatuagens de rena, efêmeras e livres para novos lugares e encontros. Podendo ser bicho, gente, coisa, cor, onda, linha, vôo, nada. Anúncios impossíveis.

Espaços em branco: PERFORME AQUI!

Referências:

DIÉGUEZ, Ileana. Cenários Liminares: teatralidades, performances e política. Tradução de Luis Alberto Alonso e Angela Reis. Uberlândia: EDUFU, 2011.

FREITAS, Alexander. Imagens da Memória Barroca de Ouro Preto: o espaço barroco como educador do imaginário ouro-pretano. Doutorado. Faculdade de Educação. São Paulo: USP, 2009. 308 p.



sexta-feira, 22 de março de 2013


Ensaios sobre a ausência: Duas experiências – O Projeto Voyzeck e Um noturno para o chá das cinco.

Fotografia é o retrato de um côncavo, de uma falta, de uma ausência? (Clarice Lispector)

Dois espetáculos presentes na programação do CORPOLÍTICO, esses trabalhos envolveram a presença de professores e alunos do curso de artes cênicas da UFOP e refletem as investigações atuais desenvolvidas no Departamento de Artes sobre questões da cena contemporânea.  A presença do corpo e relações decorrentes com novas interações com novas tecnologias e mídias artísticas tornam-se pontos fulcrais na produção de significados cênicos, e conduzem o olhar espectador a novas dimensões, físicas e virtuais, de diálogo com elementos tradicionalmente identificados como construtores da natureza cênica, a saber, o espaço, a luz, o texto, o ator e a cenografia. Opta-se, nesse texto, por abordar esses espetáculos como exemplos dialógicos e concernentes às discussões encaminhadas durante todo o evento, onde imbricações estéticas e políticas nortearam as múltiplas reflexões e vozes que se manifestaram durante os debates e mesas redondas, devido às características que vamos, a seguir, tentar refletir.
Em Projeto Voyzeck, percebe-se, desde o início a dicotomia do discurso: os atores não estão lá. Lá, digamos, diante do público, como se espera de uma montagem teatral. Concebido a partir de dois espaços de interação, um estúdio e uma sala de apresentação, a relação dos espectadores, dispostos em uma relação aparentemente tradicional de frontalidade entre palco-plateia,  provoca uma sensação de descompasso inicial quando se percebe que os atores não estão presentes, mas se apresentam projetados sobre uma parede branca. Após um estranhamento inicial, a montagem se estabelece em um lugar entre cinema, instalação e performance, devido às interações da música de uma bateria tocada ao vivo, atores que entram e saem da sala e dialogam com as imagens projetadas, e sons que se escutam em uma sala ao lado. O espetáculo nos convida a sair pela porta de acesso que permanece aberta o tempo todo, causando curiosidade quando se percebe que algo acontece em outro lugar, que não se tem acesso diretamente através das imagens na tela. Nesse sentido, um outro jogo se instala:  a curiosidade de apreender o todo, saber o que acontece no outro ambiente, relacionar através da experiência do espectador esses vários elementos que evoluem em fragmentos, indícios, rasuras e vestígios de informações, mediadas pelo vídeo, virtualidade e ausência simultâneas. Identificando-se essas questões potenciais, o deslocamento de espaço apresenta-se, ao mesmo tempo, como uma transgressão e uma possibilidade, ambos os elementos caracterizando o jogo interativo entre o espectador e a cena. Na outra sala, a surpresa: um estúdio, como de TV, está instalado, onde os atores interpretam diante da câmera. Algo de voyeurístico e de proibido, a invasão do espaço de gravação, onde o diretor/técnico fornece instruções aos atores e a cena gravada é exibida em tempo real na outra sala. Está então, estabelecida claramente a regra do jogo: o espectador busca algo que já se foi, o acontecido, mesmo em tempo real, nunca totalmente apreendido; Em um espaço, o corpo midiatizado, torna-se artificialmente construído como uma referência passada, ausente, como imagem projetada, artificialmente instaurada em um virtual espaço-tempo de experiência. Na outra sala, o silêncio do estúdio, o corpo físico presente e desconstruído do sentido da experiência do aqui e agora, catapultado para a possibilidade do vir a ser, reconfigurado pelo olho da câmera. Entre esse universo de possibilidades situa-se a experiência do espectador, reconstruindo as informações, deslocando-se pelos espaços, reunindo os fragmentos da cena, dos corpos, do personagem Voyzeck estilhaçado em presente e passado, simultaneamente reinventado. 
Em Um noturno para o chá das cinco, instaura-se o espaço da exposição. Exposição em todos os sentidos: do universo dos performers, dos objetos cênicos, da música ambiente, dos vídeos projetados por todo o espaço. O aparente caos, como jogo interativo, conduz os espectadores a pequenos, múltiplos e continuamente reordenados lugares de experiência. Desenvolvem-se, então, fragmentadas memórias, lugares de afectos e perceptos, no dizer deleuziano, esgarçadas dramaturgias cotidianas, individuais e coletivas, numa constante busca do não dito, não expresso, não comunicado. O tempo é contínuo e ao mesmo tempo incompleto; o espetáculo não se configura como espetáculo no sentido de decorrer no tempo e espaço dramático convencional. Ele não acontece – ele está. Neste sentido, quando termina (é interrompido) não acaba realmente, é só o tempo que a sala de exposição (a galeria) necessita para interromper seu horário de funcionamento diário. Instalado no tempo da memória do espectador, ele permanece. A ausência, protagonista oculta do discurso cênico, amplia sua dimensão, quando os pequenos fragmentos de vida nunca totalmente conhecidos e reagrupados, marcam o sentido teatral da primeira. O presente nunca está lá; os vídeos, projetados sobre telas e corpos, os textos dos atores, tudo isso reflete a memória, vivida ou imaginada, em flashes de vivências possíveis, subjetividades dialógicas e a busca do outro, real ou desconhecido. 
A presença concreta e atuante dos artistas que normalmente permanecem ocultos em uma montagem de teatro, nesse caso, o iluminador e o dramaturgo, reforça a sensação de exposição de arte e vai além. Pressupondo-se a dimensão de laboratório de criação, pode-se acompanhar a atividade desses criadores em processo direto de experiência, manipulando suas ferramentas de criação cênica, refletores, projetores, textos espalhados pelo chão. A atitude contemplativa estabelece um estranhamento da própria realidade cênica, ao mesmo tempo conferindo teatralidade ao jogo proposto pela encenação.
Para concluir, essa duas experiências reafirmam o lugar incômodo e ao mesmo tempo potente da cena contemporânea, em que os sentidos de tempo, presença, corpo, virtual e real se reconfiguram como possibilidades de criação, potencializando o elemento da teatralidade, encarando a desagregação e a ruptura da linguagem como matéria prima, desafio da sala de ensaio, do encenador e do ator em diálogo com o espectador, jogo de ausências/presenças, sempre reinventado, às vezes em consonância e em outras vezes em conflito, mas sempre em busca de novas possibilidades de discurso cênico.

quinta-feira, 21 de março de 2013

Vamos dançar a beleza da flor - Yoshito Ohno em Ouro Preto



Por Soraya Belusi (*)(**)
“A flor é sempre bonita. Vamos dançar a beleza da flor”, foi a primeira frase que ouvi quando desci as rampas do Cine-Teatro Vila Rica, em Ouro Preto, naquela manhã de quarta-feira, enquanto, do lado de fora, a cidade histórica vivia mais um dia comum, com as pessoas subindo e descendo as ladeiras de pedra-sabão como se o cotidiano seguisse de maneira ordinária. Mas era um dia especial para as mais de cem pessoas que se reuniam dentro do centro cultural, que estavam ali para ver, ouvir, sentir de perto a presença de Yoshito Ohno, que trabalhou com os criadores do butoh, Tatsumi Hijikata e Kazuo Ohno, do qual também é filho.


Fotos Gabriel Machado/Divulgação

A frase que Yoshito usou para iniciar sua oficina com cerca de 25 atores-dançarinos era sempre falada por seu pai, explicou o mestre da arte que combina elementos da tradição milenar japonesa com referências das artes cênicas ocidentais, principalmente as vanguardas europeias da segunda metade do século XX. “Depois de dançar a flor, nós nos tornamos a flor”, dizia ele, enquanto se deslocava pelo espaço com uma rosa nas mãos.
A cada ensinamento, Yoshito se demonstrava um contador de histórias. Lembrava detalhes da criação de “Kinjiki”, espetáculo que inaugura o butoh em 1959, explicava como Hijikata e Ohno sentiram a dor da guerra e de como o frio e a fome foram importantes para o desenvolvimento de um vocabulário de movimentos na arte que criaram; comentou sobre a presença constante das idéias de oposição e de transformação permanente na prática do butoh. 
“O homem não muda, mas a civilização muda. Há coisas que mudam, e outras que não mudam. Juntas, elas criam a arte. É sobre isso que se trata o butoh”, sintetizava. “Alguém uma vez disse que o butoh é uma dança sobre as costas. No Japão, quando se olha para a pessoa, olha-se também para as costas dela e assim se conhece sua personalidade. Quando é uma pessoa boa, as costas têm uma luminosidade”, conta ele. “Uma flor, é verdade, não tem frente ou atrás. A flor é também um corpo que nasce para o sol, cresce rumo a ele, mas se encaminha simultaneamente para a escuridão. Há luz na escuridão. Você pode sentir esse conflito de opostos”. 


Ao longo da oficina, ficava cada vez mais claro que Yoshito não pretendia ensinar butoh exatamente, mas, sim, compartilhar sua vivência, suas histórias, um ponto de vista sobre a vida e a arte, e, principalmente, de como, para o butoh, essas duas realidades andam sempre conectadas. Trabalhou sobre a importância de se relacionar com o espaço, saber como ele é, o que ele quer. “E, então, o espaço irá convidar você para trabalhar com ele. Aí então você estará pronto para começar a sua dança”, dizia aos alunos-artistas. Um dos mistérios do Japão, segundo ele, é a relação com o tempo. Tudo sempre dito através da metáfora, demonstrado com imagens poéticas. “É possível sentir o tempo. Caminhem como se estivessem caminhando há 2.000 anos. Andando pela cidade, eu me senti com mais de 300 anos, como se pertencesse àquela época da fundação de Ouro Preto”, comparava.
Enquanto manipula e oferece aos participantes da oficina elementos para trabaçhar no espaço como flor de papel de origami e pedaços de seda, mostra uma tela de Dali e sonata de Beethoven para tocar, continua a dizer: “agora vocês têm olhos suaves. Os olhos são muito importantes. Uma das ideias do butoh é criar algo fora com algo que vem de dentro. As mãos de Kazuo Ohno na dança são como flores, são lindas, mas também têm espinhos”.
A passagem de Yoshito Ohno pela cidade histórica mineira fez parte da programação do Simpósio Corpolítico – Corpo e Política nas Artes da Presença, que incluiu ainda uma apresentação em Tiradentes. A participação do japonês teve o apoio do Sesc de São Paulo, onde o artista também se apresentou. Yoshito Ohno ficou em Ouro Preto por dois dias. Durante esse período, ele participou de uma oficina, uma mesa de debates e apresentou o espetáculo “Wind of Time”. Em cada momento, surpreendia com sua capacidade de falar com o corpo e de demonstrar humildade diante de tantos admiradores. O auge foi, ao fim da oficina, convidar os alunos para se apresentarem com ele, no dia seguinte, na Casa da Ópera. Antes de ir embora, porém, agradece a cada elemento que esteve presente naquela manhã de quarta-feira no Cine-Teatro Vila Rica: não só as pessoas, mas a parede, o chão, o espaço...
No dia seguinte, a Casa da Ópera completamente tomada para assistir à encenação. Yoshito surge em cena em trajes femininos, a face pintada de branco, deslocando-se de forma quase a flutuar pelo espaço vazio. Entre uma entrada e outra do mestre japonês em cena, os participantes da oficina faziam no palco aquilo que vivenciaram no dia anterior: a flor, o papel, a seda, a dança da lua.


O butoh, como uma vez me disse em entrevista o diretor Antunes Filho, completa-se nos olhos e no coração de quem vê. Os gestos, os ritmos, os símbolos são elaborados de forma a permitir que cada espectador se relacione com eles de forma particular. Há delicadeza e terror, há força e sofrimento, esperança e temor. Emblemática, diria eu, a cena final em que Yoshito, em uma cena singela e humorada, dança seu amor pela morte ao som dos versos e da voz de Elvis Presley em “Can’t Help Falling in Love with You”.
(*) A jornalista viajou a convite do evento.
(**) O texto foi originalmente publicado no site Horizonte da Cena.

sexta-feira, 15 de março de 2013

H#1: CORPOLÍTICO - Mesa: Performance e Política.


Bom dia! Em primeiro lugar, queria fazer algo que já se tornou recorrente aqui, durante o Corpolítico, mas do qual não vou me furtar, porque não é uma mera formalidade, eu preciso fazer isso. Quero te agradecer muitíssimo, Éden, e te dar os parabéns pela organização desse evento tão importante e maravilhoso! Agradeço, especialmente, à sua generosidade ao tornar nosso, do Híbrida, esse simpósio.
Quero dizer que estou muito feliz de fazer parte do Corpolítico, desse que é o simpósio H#1 do grupo de pesquisa Híbrida, grupo que Éden e eu coordenamos e que reúne professores pesquisadores do DEART, como Aline Mendes e Ernesto Valença, e de outras instituições mineiras, como o professor Marcelo Rocco (da Universidade Federal de São João Del-Rei), além de pesquisadores do agrupamento Obscena, como Leandro Acácio – mestre em Artes pela UFMG que, junto aos demais integrantes do agrupamento, realizou ontem, pelas ruas de Ouro Preto, algumas intervenções performáticas no corpo da cidade – e também Clarissa Alcantara, que integrou a mesa de abertura do evento, sob o tema Corpo e Política; e o pesquisador e performer Clóvis Domingos, que vai hoje conversar com a gente sobre Performance e Política, junto com Zalinda Cartaxo, professora do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO).
Muito obrigada aos dois, por toparem estar aqui com a gente, para esse encontro de pensamentos, posições, questões que pululam em torno das relações entre a arte da performance e a política. Antes de passar a palavra a Zalinda e Clóvis, gostaria de levantar algumas questões relativas a esse tema tão instigante.
É sabido que a performance surge, nos anos 60 e 70, como uma expressão contestatória, no campo das artes. Surge já híbrida, “contaminando” – para utilizar uma expressão muito repetida durantes todos esses dias – ou traspassando, como um pássaro-flecha (para lembrar a expressão de Clarissa Alcantara) os limites entre as artes visuais e as artes cênicas, além das outras artes e campos do conhecimento, como a antropologia.
Marvin Carlson, em seu livro Performance[1], menciona que esta seria um “conceito essencialmente contestado” (Strine, Long e Hopkins apud CARLSON, 2010: 11), no sentido de que a arte da performance poderia ser pensada como naturalmente avessa aos limites e classificações, funcionando como uma espécie de conceito móvel, composto-decomposto-recomposto a partir de vários posicionamentos/pontos de vista diversos do que ela seja. Diz ele: “posições opostas [...] que por meio do diálogo contínuo, chegam a uma articulação mais precisa de todas as posições e [...] a uma compreensão mais completa da riqueza conceitual de performance” (CARLSON, 2010: 12) . 
Lembrando da colocação que Cíntia Vieira fez na segunda-feira, na mesa de abertura, sobre a experimentação das possibilidades (ou da potência) expressivas do corpo ser, em si, um gesto político, podemos pensar: funcionaria o performer, então, como esse pássaro-flecha Vladimir-clarissiano que, riscando o céu, inscreve seu gesto-corpo no espaço, ou melhor, inscreve com o corpo seu gesto político no espaço?
Mas voltando: se pensamos que a performance tem, muitas vezes, o corpo como epicentro, é possível pensar essa experimentação da potência expressiva do corpo não só como um espaço de risco para o performer, mas também como uma provocação à ação do espectador e, mesmo, como uma quase exigência, para este, de um posicionamento, inclusive no plano ético, como evidencia a performance Ritmo Zero de Marina Abramovic – em que ela se coloca como mais um objeto, manipulável pelo público, em meio a 72 outros objetos, e isentando-o de quaisquer responsabilidades sobre o que possa vir a acontecer com o seu corpo, propõe ao público um engajamento concreto nos acontecimentos, como quando um participante coloca o revolver na mão da artista e outro interfere, encerrando a performance..
Mas podemos pensá-la, também, como uma nítida colocação/tomada de posição de corpos políticos marcados pela diferença e talvez marcados, inclusive, – como colocou thaíz, em sua pergunta, na mesa de quarta – pela opressão: o corpo do negro, da mulher, do transgênero, do gordo, do amputado e tantos, tantos outros corpos possíveis!
Isso para mim já levanta inúmeras questões. Pensar o corpo da mulher, por exemplo, isso em si já me coloca inúmeros problemas, porque... De que mulher estamos falando? O que é “ser mulher”? O que define uma mulher? O que define o corpo de uma mulher? O que pode o corpo de uma mulher? E o que não pode?
Nesse sentido, a performance pode, muitas vezes, alargar as fronteiras de sua ação política e flertar diretamente com os movimentos sociais, performatizando-os. É interessante observar os movimentos que têm surgido de ocupação dos espaços públicos das cidades, movimentos de uso e prazer, de luta pelos direitos e de contestação: contra a higienização do espaço público, contra seu uso utilitário e controlado, como o fenômeno cultural conhecido, em BH, como Praia da Estação. Ou a própria revitalização do carnaval, na cidade, por meio dos blocos que tiveram nascedouro nos bairros da capital.
Interessante observar a aproximação da performance com o ativismo: do movimento negro ao movimento LGBTTT e ao movimento feminista, como é possível observar nas ações realizadas, por exemplo, pela Marcha Mundial das Mulheres, essa experimentação expressiva do corpo em diversos níveis: da construção de um corpo coletivo à individuação das marcas de opressão no corpo de mulheres performando seu discurso: artivismo.


Foto: Denis Reis - Marcha Mundial das Mulheres, em BH.



Queria, então, pensar aqui hoje, junto com vocês todos e com nossos convidados, que trarão outras questões para esse debate, nas relações que as experimentações em performance podem propor entre corpo e cidade, desde aquelas que buscam criar encontros/um olhar poético sobre a cidade – como Cadeiras ou Irmãos Lambe-Lambe, só para citar duas ações do Obscena – ou outras que buscam tocar em suas mazelas, como Baby Dolls, uma exposição de bonecas ou Corpos Proibidos, para encerrar com duas outras. Passo, agora, a palavra para Zalinda.
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Cadeiras. Foto: arquivo Obscena.


(texto de abertura da mesa. Em breve, notas esparsas sobre o debate)

[1] CARLSON, Marvin. Performance: uma introdução crítica. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010.