Bom dia! Em primeiro lugar, queria fazer algo que já se tornou recorrente aqui, durante o Corpolítico, mas do qual não vou me furtar, porque não é uma mera formalidade, eu preciso fazer isso. Quero te agradecer muitíssimo, Éden, e te dar os parabéns pela organização desse evento tão importante e maravilhoso! Agradeço, especialmente, à sua generosidade ao tornar nosso, do Híbrida, esse simpósio.
Quero dizer que estou muito
feliz de fazer parte do Corpolítico, desse que é o simpósio H#1 do grupo de
pesquisa Híbrida, grupo que Éden e eu coordenamos e que reúne professores pesquisadores
do DEART, como Aline Mendes e Ernesto Valença, e de outras instituições mineiras,
como o professor Marcelo Rocco (da Universidade Federal de São João Del-Rei),
além de pesquisadores do agrupamento Obscena, como Leandro Acácio – mestre em
Artes pela UFMG que, junto aos demais integrantes do agrupamento, realizou ontem,
pelas ruas de Ouro Preto, algumas intervenções performáticas no corpo da cidade
– e também Clarissa Alcantara, que integrou a mesa de abertura do evento, sob o
tema Corpo e Política; e o
pesquisador e performer Clóvis Domingos, que vai hoje conversar com a gente sobre
Performance e Política, junto com
Zalinda Cartaxo, professora do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade
Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO).
Muito obrigada aos
dois, por toparem estar aqui com a gente, para esse encontro de pensamentos,
posições, questões que pululam em torno das relações entre a arte da performance
e a política. Antes de passar a palavra a Zalinda e Clóvis, gostaria de
levantar algumas questões relativas a esse tema tão instigante.
É sabido que a
performance surge, nos anos 60 e 70, como uma expressão contestatória, no campo
das artes. Surge já híbrida, “contaminando” – para utilizar uma expressão muito
repetida durantes todos esses dias – ou traspassando, como um pássaro-flecha (para
lembrar a expressão de Clarissa Alcantara) os limites entre as artes visuais e as
artes cênicas, além das outras artes e campos do conhecimento, como a
antropologia.
Marvin Carlson, em seu
livro Performance[1],
menciona que esta seria um “conceito essencialmente contestado” (Strine, Long e
Hopkins apud CARLSON, 2010: 11), no
sentido de que a arte da performance poderia ser pensada como naturalmente avessa
aos limites e classificações, funcionando como uma espécie de conceito móvel,
composto-decomposto-recomposto a partir de vários posicionamentos/pontos de
vista diversos do que ela seja. Diz ele: “posições opostas [...] que por meio
do diálogo contínuo, chegam a uma articulação mais precisa de todas as posições
e [...] a uma compreensão mais completa da riqueza conceitual de performance”
(CARLSON, 2010: 12) .
Lembrando da colocação que
Cíntia Vieira fez na segunda-feira, na mesa de abertura, sobre a experimentação
das possibilidades (ou da potência) expressivas do corpo ser, em si, um gesto político,
podemos pensar: funcionaria o performer, então, como esse pássaro-flecha Vladimir-clarissiano
que, riscando o céu, inscreve seu gesto-corpo no espaço, ou melhor, inscreve
com o corpo seu gesto político no espaço?
Mas voltando: se
pensamos que a performance tem, muitas vezes, o corpo como epicentro, é
possível pensar essa experimentação da potência expressiva do corpo não só como
um espaço de risco para o performer, mas também como uma provocação à ação do espectador
e, mesmo, como uma quase exigência, para este, de um posicionamento, inclusive no
plano ético, como evidencia a performance
Ritmo Zero de Marina Abramovic – em que ela se coloca como mais um objeto,
manipulável pelo público, em meio a 72 outros objetos, e isentando-o de
quaisquer responsabilidades sobre o que possa vir a acontecer com o seu corpo, propõe
ao público um engajamento concreto nos acontecimentos, como quando um
participante coloca o revolver na mão da artista e outro interfere, encerrando
a performance..
Mas podemos pensá-la,
também, como uma nítida colocação/tomada de posição de corpos políticos marcados
pela diferença e talvez marcados,
inclusive, – como colocou thaíz, em sua pergunta, na mesa de quarta – pela opressão:
o corpo do negro, da mulher, do transgênero, do gordo, do amputado e tantos,
tantos outros corpos possíveis!
Isso para mim já levanta
inúmeras questões. Pensar o corpo da mulher, por exemplo, isso em si já me coloca
inúmeros problemas, porque... De que mulher estamos falando? O que é “ser
mulher”? O que define uma mulher? O que define o corpo de uma mulher? O que
pode o corpo de uma mulher? E o que não pode?
Nesse sentido, a
performance pode, muitas vezes, alargar as fronteiras de sua ação política e
flertar diretamente com os movimentos sociais, performatizando-os. É
interessante observar os movimentos que têm surgido de ocupação dos espaços
públicos das cidades, movimentos de uso e prazer, de luta pelos direitos e de
contestação: contra a higienização do espaço público, contra seu uso utilitário
e controlado, como o fenômeno cultural conhecido, em BH, como Praia da Estação.
Ou a própria revitalização do carnaval, na cidade, por meio dos blocos que
tiveram nascedouro nos bairros da capital.
Interessante observar a
aproximação da performance com o ativismo: do movimento negro ao movimento
LGBTTT e ao movimento feminista, como é possível observar nas ações realizadas,
por exemplo, pela Marcha Mundial das Mulheres, essa experimentação expressiva
do corpo em diversos níveis: da construção de um corpo coletivo à individuação
das marcas de opressão no corpo de mulheres performando seu discurso: artivismo.
Foto: Denis Reis - Marcha Mundial das Mulheres, em BH.
Queria, então, pensar
aqui hoje, junto com vocês todos e com nossos convidados, que trarão outras
questões para esse debate, nas relações que as experimentações em performance
podem propor entre corpo e cidade, desde aquelas que buscam criar encontros/um
olhar poético sobre a cidade – como Cadeiras ou Irmãos Lambe-Lambe, só para citar duas ações do Obscena – ou outras que buscam tocar em suas mazelas, como Baby Dolls, uma exposição de bonecas ou Corpos Proibidos, para encerrar com duas outras. Passo, agora, a palavra para Zalinda.
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Cadeiras. Foto: arquivo Obscena.
(texto de abertura da mesa. Em breve, notas esparsas sobre o debate)
(texto de abertura da mesa. Em breve, notas esparsas sobre o debate)
[1] CARLSON, Marvin. Performance:
uma introdução crítica. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010.
NIna, que texto provocativo! Muitas questões para discutirmos e continuarmos a conversa. Uma conversa infinita!!! Gosto muito dessa ideia dos movimentos sociais performando no corpo da cidade. E que a diferença é uma operação política, uma vez, que corpos ímpares problematizam a opressão dos padrões normalizantes.
ResponderExcluirsim, tem me interessado muito pensar essas relações, artivismo!
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